O caso da ONG que queria aprender e ensinar gestão
16 de Julho de 2018 às 07:00
Há alguns anos fui gestor de uma ONG que trabalhava com inclusão digital.

Tínhamos duas principais bases de apoio, que respondiam por mais de 90% de nossas fontes de recurso. Para diminuir nossa dependência, começamos a levantar alternativas: investir mais na captação com pessoas físicas? Focar em grandes doadores? Também havia uma potencial e promissora parceria com o governo do estado – um valor considerável de uma vez só, mas com muitas amarras e data quase certa para acabar. Ou ainda, quem sabe, a gente podia empacotar nossa premiada metodologia de combinar tecnologia e cidadania e vender serviços, gerar renda própria... você, caro leitor, cara leitora: no meu lugar, o que faria?

Esse parágrafo dá uma pequena ideia do que são casos de ensino: um método de aprendizado que traz dilemas reais para a sala de aula. O propósito é que os alunos se coloquem no lugar de um gestor que está em um momento crítico e precisa tomar uma decisão relevante. Ao ler o caso, que pode variar de 2 a até 30 páginas, tomamos contato com o problema, a organização, o gestor e outros personagens relevantes e temos a chance de analisar as possíveis alternativas de ação, pesando prós e contras e cada opção.

Nas últimas décadas, os casos têm sido a base do ensino de gestão executiva nos estados unidos, em muitos países da Europa e da Ásia e, crescentemente, no Brasil. Um importante avanço se deu em 2011, quando foi lançada a primeira revista online exclusivamente voltada à produção e disseminação de casos brasileiros, a GVcasos, de acesso gratuito para baixar e ler os casos.

O que podemos aprender com casos de ensino? Em primeiro lugar, a fazer boas perguntas. Como simulação da realidade, a maior parte dos casos não vem com toda a análise já mastigada – é preciso treinar nosso olhar e ir além dos problemas aparentes, superficiais. Além disso, o caso permite o treino da análise de da argumentação. A leitura e reflexão individual é importante, mas a real riqueza do caso aparece na discussão em grupo, quando as análises são questionadas, testadas e melhoradas. Finalmente, o caso é uma ótima forma de entender e treinar como gestores tomam decisões. Em essência, é isso que líderes, coordenadores, diretores fazem: decidem contratar ou demitir alguém; investir em uma nova ideia ou terminar um projeto; comprar ou não um novo sistema para captação de recursos...

Já existem alguns casos sobre os desafios do terceiro setor brasileiro, mas ainda são poucos: certamente há potencial para muito mais! Conheço um do IDEC e seus desafios na busca de sua auto-sustentabilidade; tem outro de uma cooperativa de catadores de lixo em Belo Horizonte que vive um dilema de base: deveriam buscar o caminho da profissionalização ou realçar sua essência de
movimento social? Há ainda casos sobre hospitais filantrópicos, institutos que fazem investimento social, entre outros, mas estão longe de esgotar a riqueza e a complexidade das organizações de nossa sociedade civil.

Faço o convite para que os leitores busquem mais informações sobre casos e possam se envolver tanto no uso de casos para capacitação e desenvolvimento de equipe como buscando parceiros da academia para escrever um caso de ensino tendo seus dilemas como foco do texto. Não é uma decisão fácil: bons casos de ensino não se propõem a enaltecer a organização ou sua gestora, mas sim a mostrar a realidade em torno de um dilema em toda sua complexidade.

Como bem sabem os contadores de histórias, as boas narrativas precisam de tensão e conflito para ter credibilidade e engajar sua audiência. Ter a coragem de se expor com um retrato honesto das conquistas e fraquezas das organizações pode resultar em melhores discussões e uma admiração real dos leitores. Nada como perguntar “e você, o que faria no meu lugar?” para que alguém comece a entender a beleza e a complexidade que é gerir uma organização sem fins lucrativos.





Fernando Nogueira é professor na FGV-EAESP, onde se titulou como mestre e doutor em Administração Pública e Governo. É consultor em gestão de associações sem fins lucrativos, colaborador-voluntário da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e presidente do Conselho do Instituto Doar. 


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