Há algumas semanas atrás, estivemos presentes na Nonprofit Storytelling Conference, um evento que acontece anualmente nos Estados Unidos reunindo grandes especialistas na arte de contar histórias e que trabalham exclusivamente com organizações Nonprofit, ou o terceiro setor aqui no Brasil. A experiência de ter voltado ao evento depois de 2 anos (foi nossa segunda participação no NPS) foi muito interessante. Eu estava particularmente curioso em como me sentiria no congresso na semana em que a Social Docs completaria dois anos de vida e quase 40 projetos realizados.
Meu sentimento no final do evento foi um misto de confiança com esperança. Confiança porque do ponto de vista conceitual (práticas, ferramentas, formatos das histórias) tenho plena certeza que estamos - aqui no Brasil - trabalhando em alto nível e não devemos nada ao que vimos por lá. Por outro lado, o repertório dos americanos, quando se fala em contar histórias de transformação social, é gigantesco. Alguns profissionais têm mais de 30 anos de estrada trabalhando exclusivamente com storytelling para ONGs. São consultores especialistas em malas-diretas, em redes sociais, contadores de histórias para grandes doadores, especialistas storytelling para eventos... esse repertório quase infinito me dá uma grande esperança de que há muito a ser feito por aqui.
Destaco aqui a experiência de três pessoas que trouxeram importantes reflexões sobre como estamos (ou não) contando nossas histórias para captar recursos:
Lori Jacobwith faz uma provocação intrigante: na hora de contar a história da sua causa ou organização, apenas conte-a! Não me venha dizer onde você trabalha, porque você trabalha, os números da ONG. As pessoas não querem saber, elas querem ouvir uma história! E aí sim, se a história for boa, você “pegou” a atenção daquela pessoa que vai se abrir e se dispor a ouvir tudo o que você tem para contá-la. E o que você tem para pedir!
Jim Shapiro, outro guru do evento, repetiu incansavelmente: o doador é o herói da história. Seja qual for a história, você precisa contá-la de tal forma que o doador se sinta o agente de transformação daquela vida (do seu personagem). O doador não quer saber sobre os processos da organização ou sobre números administrativos, ele só quer saber a diferença que está fazendo na vida das pessoas.
Pra terminar, trago a reflexão de Jeff Brooks, referência de nove em cada dez americanos quando se fala em storytelling e captação em formato de texto. Trazendo o conceito do PAR (pedir, agradecer, reportar), Jeff comenta que na relação com o seu doador existem dois tipos de história:
1) a história que você conta quando está PEDINDO – essa história não pode estar encerrada. Nela, você deve focar o problema do seu beneficiário, deixar claro o conflito e o quão grave é o seu momento. Então você coloca o doador no centro da história, já que é ele quem vai decidir o “destino” do beneficiário. Neste momento, em que você envolveu o doador, o pedido deve aparecer junto com a necessidade urgente de um final feliz.
2) a história que você conta quando está REPORTANDO – essa história sim, deve ter começo meio e fim. É o momento de você devolver ao doador uma resposta de como ele foi importante na trajetória do beneficiário e como a organização é agradecida de ter pessoas como ele por perto. No momento em que você conta essa história, o ciclo PAR se encerra e as portas se abrem para um novo pedido
Sinto que trabalhar com storytelling para transformação social é como um mar a ser desbravado. As histórias de transformação já existem, estão em cada esquina dessepaís. A medida que as organizações – e seus profissionais de comunicação e captação – passarem a testar, experimentar e aprender com a arte de contar histórias, teremos uma sociedade muito inspirada e engajada pelas causas que são tão importantes para o nosso país.
Marcelo Douek e Henry Grazinoli
Marcelo é formado em Comunicação Social pela FAAP, pós-graduado em Gestão Empresarial pela BSP, especialização em Branding pela Kellog e formação em roteiro e cinema. Depois de atuar como planejador em diversas agências, fundou a LUKSO Story & Strategy em 2009, onde desenvolveu projetos para clientes como Heineken, Natura, LATAM, Pepsico, entre outros. Em 2016, fundou a Social Docs, produtora especializada em contar histórias de impacto social para clientes como CICV, ONU, Inst Votorantim e Movimento Arredondar. Também atua como instrutor de storytelling e inovação em cursos livres da FGV, Instituto Amani e Perestroika.
Henry é diretor e roteirista. Estudou cinema na PUC/RS e roteiro na EICTV - Cuba. Teve projetos premiados pela Rio Filme, Prêmio Estimulo, TV Cultura e SP Cine. É diretor e roteirista do documentário "Um Novo Capitalismo", sobre empreendedorismo social. Escreveu diversos roteiros de cinema e storytelling. Foi o coordenador do portal e oficinas “Tela Brasil” e do projeto “Dar voz aos Jovens”, supervisionando a realização de 50 filmes em periferias brasileiras. O trabalho com temáticas sociais e o desejo de trabalhar por causas importantes o impulsionaram na criação da SocialDocs, onde passa a atuar como diretor criativo dos projetos e instrutor em storytelling em cursos livres da FGV, Instituto Amani e Perestroika.